quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Discurso do Embaixador Mexicano




"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para eu poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento, com juros, de uma divida contraída por um Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse.
Outro irmão europeu, um rábula, me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem lhes pedir consentimento.Eu também posso reclamar pagamento, também posso reclamar juros. Consta no Arquivo das Índias.
Papel sobre papel, recibo sobre recibo, assinatura sobre assinatura que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América. Terá sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao Sétimo Mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas que qualificam o encontro de "destruição da Índias" ou Arturo Uslar Pietri, que afirma que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos retirados das Américas!
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de outros empréstimos amigáveis da América, destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
Eu, Guaicaipuro Cuatémoc, prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "Marshal-tezuma", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, do banho diário e outras conquistas da civilização.Por isso, ao celebrarmos o Quinto Centenário desse Empréstimo, poderemos nos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional, responsável ou pelo menos produtivo desses recursos tão generosamente adiantados pelo Fundo Indo-americano Internacional? É com pesar que dizemos não.
No aspecto estratégico, o dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em armadas invencíveis, em terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, sem um outro destino, a não ser terminar ocupados pelas tropas gringas da OTAN, como um Panamá, mas sem o canal.No aspecto financeiro foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros, quanto se tornarem independentes das rendas liquidas, das matérias primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.
Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar. E nos obriga a reclamar-lhes, para o seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente temos demorado todos estes séculos para cobrar.
Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros que os irmãos europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nós nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos emprestados, acrescidos de um módico juro fixo de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos.Sobre esta base, e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos “descobridores” que eles nos devem 180 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300. Isso quer dizer um número para cuja expressão total seriam precisos mais de 300 cifras, e que supera amplamente o peso total do planeta Terra.
Muito peso em ouro e prata! Quanto pesariam, calculados em sangue? Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para pagar esses módicos juros seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e/ou a demência irracional dos pressupostos do capitalismo. Tais questões metafísicas, desde já, não nos inquietam aos indo-americanos.

Porém, exigimos a assinatura de uma carta de intenções que discipline os povos devedores do Velho Continente e que os obrigue a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permita nos entregá-la inteira como primeira prestação da dívida histórica."

- Embaixador do México em pronunciamento nas Nações Unidas, anos atrás.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Aos Revolucionários







Ao povo, revolucionários! Esqueçamos as divergências dispersivas, chega de perda de tempo e energia. Chega de conflitos inúteis, de disputas ideológicas estéreis. O inimigo é a ignorância, a inconsciência em que se encontra a esmagadora maioria, pela sabotagem sistemática da educação e das comunicações.  Sem a população, somos poucos, somos dispersos, somos quase nulos. Espalhemo-nos nas favelas, nas baixadas, em meio à maioria. Saiamos dos auditórios, das agremiações, dos pequenos grupos ideológicos. Olhemos a história! Conscientizemos! Aprendamos a linguagem popular. Desçamos dos pedestais acadêmicos! Abracemos a população, sem ela nada valemos. Ensinemos o que aprendemos e é negado à maioria, como um dever moral. Precisamos ir ao povo, nos misturar com ele, viver sua vida e não esperar que venha a nós. Aprendamos o vocabulário da maioria e expliquemos de coração aberto. Falta de conhecimento não é falta de personalidade, respeito é fundamental. Quem sabe mais tem a obrigação moral de ensinar a quem não sabe. Não culpemos, nem desprezemos a ignorância plantada há tantas gerações. Há saberes e sabedorias além dos conhecimentos acadêmicos. Tenhamos paciência, perseverança, persistência e humildade. Ao não sermos compreendidos, compreendamos, procuremos em nós mesmos as falhas, tentemos mais e mais e sempre. Conscientizemos sem cores, sem doutrinações, a maioria não percebeu como funciona o Estado, como somos roubados em educação, em informação, em dignidade, em direitos básicos, como somos manobrados. Às favelas! Às periferias! Aos excluídos! Aos sabotados! Aos explorados! Aos marginalizados!  A humildade, sim, é revolucionária. A solidariedade é revolucionária. Chega de vociferar contra os opressores, a opressão é construída com os oprimidos, sem o seu consentimento e colaboração não há opressão, é hora de esclarecê-los, de falar sua língua. É hora de oferecer sem cobrar, de esclarecer sem doutrinar. O trabalho é longo, árduo, profundo. Precisamos doar nossas vidas. A generosidade é revolucionária, a abnegação é revolucionária. Contestemos a vida mesquinha e sem sentido, recuperemos a auto-estima destroçada pelo massacre secular, revelemos os valores mentirosos plantados no inconsciente coletivo e os reais valores, soterrados sob toneladas de valores falsos e descartáveis. Revelemos o poder do coletivo, tão massacrado, tão desprezado, mas tão indispensável à estrutura social. Somos a base e o poder, estamos anestesiados, adormecidos e cooptados. Despertemos!
Revolucionários de qualquer linha ou tendência, chega de dispersão! Chega de arrebanhamento e divisão!

Às ruas! Às favelas! À pobreza! Às

multidões!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

MANIFESTO EM DEFESA DA FLASKÔ SOB CONTROLE DOS TRABALHADORES

Pela imediata declaração de interesse social da Flaskô, da Vila Operária
e da Fábrica de Cultura e Esportes.


Em 12 de junho completam-se oito anos de ocupação e controle operário na fábrica Flaskô. Diante da crise capitalista e a decisão dos patrões de fechar a fábrica os operários e as operárias levantaram a cabeça e organizaram-se para manter a fábrica funcionando na luta em defesa dos empregos. Ocupando a fábrica e tomando seu controle.

Sem o patrão e a partir do controle operário, da democracia operária, foi reduzida a jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução nos salários.

Sem o patrão, os operários e as operárias em conjunto com famílias da região organizaram a ocupação do terreno da Fábrica e constroem hoje a Vila Operária e Popular com moradia para mais de 560 famílias.

Sem o patrão, os operários e as operárias reativaram um galpão abandonado e iniciaram o projeto
“Fábrica de Cultura e Esporte”, com teatro, cinema, judô, futebol, balé e dança. Além de cursos e atividades de formação

Desde o início os operários defenderam a estatização da fábrica sob controle dos trabalhadores diante das dívidas dos patrões com o estado.

Desde o inicio os operários e operárias se somaram a luta do conjunto da classe trabalhadora. Defendendo a reforma agrária junto com os trabalhadores do campo, defendendo a luta pelas moradias com os operários na cidade, defendendo os direitos e a luta contra os patrões em dezenas e dezenas de fábricas. Defendendo os serviços públicos como saúde e educação junto ao povo e aos trabalhadores do setor publico.

Lutaram desde o inicio pela reestatização das ferrovias junto aos ferroviários, pela reestatização da Vale do Rio Doce e da Embraer, por uma Petrobrás 100% estatal.

Os operários e operarias da Flaskô organizaram, junto ao Movimento das Fábricas Ocupadas em conjunto com os operários da Cipla e Interfibra 8 caravanas a Brasília para exigir a estatização da fábrica.

Os operários e as operárias organizaram conferências, seminários, encontros nacionais e internacionais, além de manifestações por todo o Brasil sempre discutindo com sua classe os caminhos da luta.

Hoje, desenvolvem campanha para que a Prefeitura de Sumaré-SP declare a Fábrica e toda a sua área de Interesse Social, dando um passo no caminho da desapropriação das propriedades do patrão para a sua definitiva estatização sob o controle dos trabalhadores.

Por isso convocamos todas as organizações operárias, estudantis, sindicatos, partidos e organizações políticas, personalidades a ajudarem os trabalhadores da Flaskô a irem até a vitória subscrevendo este manifesto e multiplicando iniciativas de apoio a Declaração de Interesse Social da Flaskô permitindo com isso a regularização de 560 moradias na Vila Operária, permitindo a transformação da Fábrica de Cultura e Esportes num verdadeiro centro cultural e esportivo público, e mais do que tudo isso, estatizando a fábrica, tornando-a pública, sob o controle dos operários que resistem há oito anos com seu suor e luta.

Sumaré, 25 de abril de 2011.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Manifesto Público de Organizações de Direitos Humanos

Invasão de Favela - Acrílica sobre tela, 68x100cm - Rio, 2007



Há três semanas, as favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, se tornaram o palco de uma suposta “guerra” entre as forças do “bem” e do “mal”. A “vitória” propagada de forma irresponsável pelas autoridades – e amplificada por quase todos os grandes meios de imprensa – ignora um cenário complexo e esconde esquemas de corrupção e graves violações de direitos que estão acontecendo nas comunidades ocupadas pelas forças policiais e militares. Mais que isso, esta perspectiva rasa – que vende falsas “soluções” para os problemas de segurança pública no país – exclui do debate pontos centrais que inevitavelmente apontam para a necessidade de profundas reformas institucionais.

Desde o dia 28 de novembro, organizações da sociedade civil realizaram visitas às comunidades do Alemão e da Vila Cruzeiro, onde se depararam com uma realidade bastante diferente daquela retratada nas manchetes de jornal. Foram ouvidos relatos que denunciam crimes e abusos cometidos por equipes policiais. São casos concretos de tortura, ameaça de morte, invasão de domicílio, injúria, corrupção, roubo, extorsão e humilhação. As organizações ouviram também relatos que apontam para casos de execução não registrados, ocultação de cadáveres e desaparecimento.

Durante o processo, a sensação de insegurança e medo ficou evidente. Quase todos os moradores demonstraram temor de sofrerem represálias e exigiram repetidamente que o anonimato fosse mantido. E foi assim, de forma anônima, que os entrevistados compartilharam a visão de que toda a região ocupada está sendo “garimpada” por policiais, no que foi constantemente classificado como a “caça ao tesouro” do tráfico.

A caça ao tesouro

É um escândalo: equipes policiais de diferentes corporações, de diferentes batalhões, se revezam em busca do dinheiro, das jóias, das drogas e das armas que criminosos teriam deixado para trás na fuga; em lugar de encaminhar para a delegacia tudo o que foi apreendido, as equipes estão partilhando entre elas partes valiosas do “tesouro”. Aproveitando-se do clima de “pente fino”, agentes invadem repetidamente as casas e usam ameaças e técnicas de tortura como forma de arrancar de moradores a delação dos esconderijos do tráfico. Não bastasse isso, praticam a extorsão e o roubo de pequenas quantias e de telefones celulares, câmeras digitais e outros objetos de algum valor.

Apesar deste quadro absurdo, o governo do estado do Rio de Janeiro tenta mais uma vez esvaziar e desviar o debate, transformando um momento de crise em um momento triunfal das armas do Estado. Nem as denúncias que chegaram às páginas de jornais – como, por exemplo, as que apontam para a fuga facilitada de chefes do tráfico – foram respondidas e investigadas. Independente disso, os relatos que saem do Alemão e da Vila Cruzeiro escancaram um fato que jamais pode ser ignorado na discussão sobre segurança pública no Rio de Janeiro: as forças policiais exercem um papel central nas engrenagens do crime. Qualquer análise feita por caminhos fáceis e simplificadores é, portanto, irresponsável. E muitas vezes, sem perceber, escorregamos para estas saídas.

Direcionar a “culpa” de forma individualizada, por exemplo, e fazer a separação imaginária entre “bons” e “maus” policiais é uma das formas de se esquivar de debates estruturais. Penalizar o policial não altera em nada o cenário e não impede que as engrenagens sigam funcionando. Nosso papel, neste sentido, é avaliar os modelos políticos e as falhas do Estado que possibilitam a perversão da atividade policial. Somente a partir deste debate será possível imaginar avanços concretos.

Diante do panorama observado após a ocupação do Alemão, as organizações de direitos humanos cobram a responsabilidade dos Governos e exigem que o debate sobre a reforma das polícias seja retomado de forma objetiva. Nossa intenção aqui não é abarcar todos os muitos aspectos desta discussão, mas é fundamental indicarmos alguns aspectos que achamos essenciais.

Falta de transparência e controle externo

A falta de rigor do Estado na fiscalização da atuação de seus agentes, a falta de transparência nos dados de violência, e, principalmente, a falta de controle externo das atividades policiais são fatores que, sem dúvida, facilitam a ação criminosa de parte da polícia – especialmente em comunidades pobres, distantes dos olhos da classe média e das lentes da mídia. E os acontecimentos das últimas semanas realmente nos dão uma boa noção de como isso acontece.

Apesar dos insistentes pedidos de entidades e meios de imprensa, até hoje, não se sabe de forma precisa quantas pessoas foram mortas em operações policiais desde o dia 22. Não se sabe tampouco quem são esses mortos, de que forma aconteceu o óbito, onde estão os corpos ou, ao menos, se houve perícia, e se foi feita de modo apropriado. A dificuldade é a mesma para se conseguir acesso a dados confiáveis e objetivos sobre número de feridos e de prisões efetuadas. As ações policiais no Rio de Janeiro continuam escondidas dentro de uma caixa preta do Estado.

Na ocupação policial do Complexo do Alemão em 2007, a pressão política exercida por parte deste mesmo coletivo de organizações e movimentos viabilizou, com a participação fundamental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, um trabalho independente de perícia que confirmou que grande parte das 19 mortes ocorridas em apenas um dia tinham sido resultado de execução sumária. Foram constatados casos com tiros à queima roupa e pelas costas, disparados de cima para baixo, em regiões vitais, como cabeça e nuca. Desta vez, não se sabe nem quem são, quantos são e onde estão os corpos dos mortos..

Para que se tenha uma ideia, em uma favela do Complexo do Alemão representantes das organizações estiveram em uma casa completamente abandonada. No domingo, dia 28, houve a execução sumária de um jovem. Duas semanas depois, a cena do homicídio permanecia do mesmo jeito, com a casa ainda revirada e, ao lado da cama, intacta, a poça de sangue do rapaz morto. Ou seja, agentes do Estado invadiram a casa, apertaram o gatilho, desceram com o corpo em um carrinho de mão, viraram as costas e lavaram as mãos. Não houve trabalho pericial no local e não se sabe de nenhuma informação oficial sobre as circunstâncias da morte. Provavelmente nunca saberemos com detalhes o que de fato aconteceu naquela casa.

“A ordem é vasculhar casa por casa...”

Por outro lado, o próprio Estado incentiva o desrespeito às leis e a violação de direitos quando informalmente instaura nas regiões ocupadas um estado de exceção. Os casos de invasão de domicílio são certamente os que mais se repetiram no Alemão e na Vila Cruzeiro. Foi o próprio coronel Mario Sérgio Duarte, comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, quem declarou publicamente que a “ordem” era “vasculhar casa por casa”, insinuando ainda que o morador que tentasse impedir a entrada dos policiais seria tratado como suspeito. Mario Sérgio não apenas suprimiu arbitrariamente o artigo V da Constituição, como deu carta-branca à livre atuação dos policiais.

Em qualquer lugar do mundo, a declaração do coronel seria frontalmente questionada. Mas a naturalidade com que a fala foi recebida por aqui reflete uma construção histórica que norteia as ações de segurança pública do estado do Rio de Janeiro e que admite a favela como território inimigo e o morador como potencial criminoso. Em comunidades pobres, o discurso da guerra abre espaço para a relativização e a supressão dos direitos do cidadão, situação impensável em áreas mais nobres da cidade. De fato, a orientação das políticas de sucessivos governos no Rio de Janeiro tem sido calcada em uma visão criminalizadora da pobreza.

Em meio a esse caldo político, as milícias formadas por agentes públicos – em especial por policiais – continuam crescendo, se organizando como máfia por dentro da estrutura do Estado e dominando cada vez mais bairros e comunidades pobres no Rio de Janeiro. No Alemão e na Vila Cruzeiro, comenta-se que parte das armas desviadas por policiais estaria sendo incorporadas ao arsenal destes grupos. Especialistas avaliam com bastante preocupação a forma como o crime está se reorganizando no estado.

Mas isto continua tendo importância secundária na pauta dos Governos. De olhos fechados para os problemas estruturais do aparato estatal de segurança, seguem apostando em um modelo militarizado que não é direcionado para a desarticulação das redes do crime organizado e do tráfico de armas e que se mostra extremamente violento e ineficaz.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2010.

Assinam:

Justiça Global
Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
Conselho Regional de Psicologia – RJ
Grupo Tortura Nunca Mais - RJ
Instituto de Defensores de Direitos Humanos
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis

quarta-feira, 6 de outubro de 2010



Augusto Boal– Teatrólogo

Forum Social Mundial 2009, Belém do Pará

       A mídia costuma publicar só o que é espetacular, sensacional, mesmo que tenha que esconder a verdade. Hoje, fala-se mais da cor da pele de Barack Obama do que do seu projeto político, como ontem falou-se mais dos seios da Carla Bruni do que das idéias direitistas do seu marido Sarkosy.
       A mídia tem dono, e reflete as opiniões do seu proprietário: o Fórum Social Mundial não tem dono, e deve refletir as nossas.
       Foro, Fórum, significa etimologicamente a praça pública, onde se pode discutir livremente. Este nosso Foro é mundial e deve, portanto, discutir os assuntos do mundo.
       Temos que saudar o fim da era Bush e seus parceiros, mas ficar atentos à nova era que começa. Aplaudir os primeiros atos de Barack Obama, mas analisá-los com cuidado. Aplaudir sua decisão de fechar Guantânamo, mas lembrar que isso não basta: é necessário restituir Guantânamo ao seu legítimo dono, que é o povo cubano. Aplaudir a ordem de acabar com a tortura, mas lamentar que os torturadores não sejam punidos por esse crime de lesa-humanidade e continuem nos seus postos de comando. Aplaudir o desejo do novo presidente em dialogar com todos os países, mas explicar que não queremos, como ele promete ou ameaça, não queremos ver o seu país liderando o mundo - essa tarefa não compete nem aos Estados Unidos nem ao Paraguai, mas sim à Organização das Nações Unidas que para isso foi criada e tantas vezes tem sido desrespeitada pelo país de Barack Obama.
       O Fórum é social, e temos que falar do genocídio dos palestinos. Temos que separar, de um lado, o cruel governo de Israel e, de outro, as centenas de milhares de judeus que com ele não concordam. Não devemos cometer a injustiça que se fez com os alemães, pensando que todos fossem nazistas, quando muitos morreram lutando contra Hitler e seus asseclas.
       Milhares de judeus, dentro e fora de Israel, condenam e se envergonham do que fez e faz o seu governo, que representa tão somente aqueles que o elegeram, mas não o judaismo. Dentro de Israel existem organizações como a dos Combatentes Pela Paz, de Chen Allon, que condenam a invasão e denunciam seus crimes. Tenho orgulho em dizer que, para isso, usam o Teatro do Oprimido entre outras formas de combate.
       No Oriente Médio já se inverteu a distribuição de papéis: se, ontem, Israel foi o pequenino David, hoje é o gigante Golias, filisteu. O novo Golias, apoiado pelos Estados Unidos, em 22 dias matou mais de 300 crianças e centenas mulheres e homens, civis ou combatentes. Eu chorei vendo a fotografia de um menino, um pequenino David palestino, jogando pedras contra um tanque de guerra. Se a lenda de David e Golias, ontem, foi apenas lenda, a história de Golias e David, hoje, é triste realidade: os 1.300 mortos ainda estão sendo retirados dos escombros, sem as solenes pompas fúnebres dos 13 soldados israelis. O Fórum e o mundo não podem esquecer esse crime antes mesmo que sejam enterradas suas vítimas.
       Nosso Fórum é pluralista, e deve se manifestar contra o colonialismo italiano que ofende a nossa soberania, que tenta interferir nas decisões da nossa Justiça, como está sendo o caso da concessão de asilo a Cesare Battisti. Existe uma lei brasileira que proibe a extradição de pessoas condenadas em seus países à pena de morte ou à prisão perpétua. É este o caso, é esta a lei! O ministro Tarso Genro apenas cumpriu a lei - a lei brasileira. O presidente Lula foi claro explicando aos italianos as sólidas bases da nossa decisão, mas parece que eles não entenderam, nem disso são capazes. Por quê?
       A Itália, que foi o berço do fascismo e deveria ser também a sua sepultura, mostra agora que a ideologia colonialista ainda está viva e pretende anular decisões soberanas do Brasil, invadindo o nosso Judiciário e querendo nos ensinar a diplomacia da obediência e da submissão. Temos que repudiar essa ofensa e libertar o prisioneiro!
       Nosso Fórum é social, e a economia também. A maioria dos países que estão em crise, ou dela se aproximam, sempre disseram não ter dinheiro para melhorar a Educação, a Saúde, a Previdência Social. De repente, para socorrer seguradoras, bancos e montadoras, esses governos descobriram que tinham bilhões e trilhões de dólares, euros, iens e libras. Nosso Fórum tem a obrigação moral de interrogar os senhores da Davos: de onde veio esse dinheiro? Quem os escondia? Quanto sobrou? Onde estão?
       O nosso Fórum Social também é brasileiro e é camponês: devemos saudar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, que é o mais democrático e bem organizado movimento de massas que o Brasil já teve, e que completa agora 25 anos de lutas pela terra, luta que continua.
       O Fórum Social Mundial não é daqueles que dizem Hay Gobierno? Soy Contra, e porque assim não é, deve se alegrar em receber tantos presidentes de tantas Repúblicas sulamericanas juntos neste evento: Evo, Correa, Kirchner, Chavez, Lugo e Lula. Nunca se viu fraternidade igual. Queremos agora ver os resultados concretos dessa irmandade.
       Devemos, muito cordialmente, lembrar aos nossos presidentes que a Política não é a arte de fazer o que é possível fazer, mas sim a arte de tornar possível o que é necessário fazer!
       Caminhar não é fácil! As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso e justiça. Temos que avançar e, a cada avanço, avançar mais, na tentativa de humanizar a Humanidade. Não existe porto seguro neste mundo, porque todos os portos estão em alto mar e o nosso navio tem leme, não tem âncoras. Navegar é preciso, e viver ainda mais preciso é, porque navegar é viver, viver é navegar!
       Eu sou homem de teatro e não posso deixar de falar de Arte e Cultura quando falo de Política, porque a Política é uma Arte que a Cultura produz.
       Temo que, mesmo entre nós, muita gente ainda pense em arte como adorno, e nós dizemos: não é! A Palavra não é absoluta, Som não é ruído, e as Imagens falam. São esses os três caminhos reais da Estética para o entendimento: a palavra, o som e a imagem. São também os canais de dominação pois estão os três nas mãos dos opressores, não dos oprimidos: a Palavra dos jornais, o Som das rádios, as Imagens da TV e do cinema estadunidense, dominam nossos meios de comunicação e invadem nossos cérebros com seu pensamente único, seus projetos imperiais e suas mercadorias.
       Acabou-se o tempo da inocência... o tempo da contemplação já não é mais. Temos que agir!
       Palavra, imagem e som, que hoje são canais de opressão, devem ser conquistados pelos oprimidos como formas de libertação. Não basta consumir Cultura: é necessário produzi-la. Não basta gozar arte: necessário é ser artista! Não basta produzir idéias: necessário é transformá-las em atos sociais, concretos e continuados.
       A Estética é um instrumento de libertação.
       Eu felicito o nosso Ministério da Cultura pela criação de mais de mil Pontos de Cultura no Brasil inteiro, onde o povo tem acesso não só à Cultura alheia, mas aos meios de produzir sua própria Cultura sem servilismos, sua Arte sem modismos, porque entendemos que Arte e Cultura são formas de combate tão importantes como a ocupação de terras improdutivas e a organização política solidária.
       Sonho com o dia em que no Brasil inteiro, e no inteiro mundo, haverá em cada cidade, em cada povoado ou vilarejo, um Ponto de Cultura onde a cidadania possa criar e se expressar pela arte, afim de compreender melhor a realidade que deve transformar. Nesse dia, finalmente, terá nascido a Democracia que, hoje, só existe em Fóruns como este!
       Ser cidadão, meus companheiros, não é viver em sociedade: é transformar a sociedade em que se vive!
       Com a cabeça nas alturas, os pés no chão, e mãos à obra!
       Muito obrigado.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Manifesto dos Economistas Estarrecidos

A estrutura do documento dos “economistas estarrecidos” são 10 itens, chamados pelos autores de “falsas evidências”, a partir dos quais eles pretendem demonstrar a ineficiência e a injustiça das propostas ortodoxas. E propõem medidas distintas para buscar solucionar a grave crise por que passam aqueles países. São elas:


Falsa evidência n° 1 – “Os mercados financeiros são eficientes”. Não, a crise demonstrou que os mercados não são eficientes, no sentido de apontar os equívocos de determinadas opções e quadros de irracionalidade. Podem ser eficientes na lógica do capital, mas não na lógica do social.

Falsa evidência n° 2 – “Os mercados financeiros são favoráveis ao crescimento econômico”. Não, os mercados financeiros têm uma lógica de atender aos seus próprios interesses, mesmo que isso ocorra às custas dos interesses da maioria da população.

Falsa evidência n° 3 – “Os mercados são bons avaliadores da solvência dos Estados”. Não, os mercados operam com espírito de especulação e buscam ofuscar realidades quando de seu interesse ou provocar crises quando for necessário.

Falsa evidência n° 4 – “A elevação da dívida pública é conseqüência de um aumento nas despesas”. Não, a maior responsável pelo aumento da dívida pública é a política de concessão de isenções fiscais e benefícios tributários para as grandes empresas. Até pouco antes da eclosão da crise, as contas públicas dos Estados membros da UE mostravam um certo controle da questão fiscal.

Falsa evidência n° 5 – “É necessário reduzir as despesas para reduzir a dívida pública”. Não, a solução é justamente manter as políticas de despesas públicas em áreas como saúde, educação, previdência, auxílio desemprego e moradia, ente outras, para garantir que a saída da crise a médio prazo não afete a capacidade dos países nesse tipo de quesito básico.

Falsa evidência n° 6 – “A dívida pública transfere o custo dos excessos atuais para as gerações futuras”. Não, o documento reforça o argumento de que a economia de um país não pode ser tratada como a economia de uma família. O que se faz necessário é alterar a transferência dos beneficiários da crise. Não mais favorecer os especuladores e as grandes empresas, e sim oferecer apoio aos trabalhadores e à maioria da população.

Falsa evidência n° 7 – “É necessário tranqüilizar os mercados financeiros para conseguir financiar a dívida pública”. Não, a crise atual não é apenas resultado da intranqüilidade do mercado financeiro. Pelo contrário, os Bancos Centrais dos países da EU são proibidos de financiarem seus próprios governos. Estes são obrigados a recorrer a bancos privados e pagar taxas de juros exorbitantes por tais operações.

Falsa evidência n° 8 – “A direção atual da União Européia defende o modelo social europeu”. Não, o Manifesto reconhece que existem vários modelos de construção européia. Mas afirma que a hegemonia atual da direção em Bruxelas está ancorada em uma visão excessivamente liberal da dinâmica econômica. Dessa forma, faz-se necessária a reafirmação de outra estratégia de construção européia, com maior foco no social e com medidas que evitem que a liberdade absoluta de fluxo de capitais para os espaços exteriores à EU continue a provocar as atuais conseqüências negativas da crise.

Falsa evidência n° 9 – “O euro é um escudo protetor contra crise”. Não, infelizmente aquilo que deveria atuar como instrumento de proteção não se comportou de tal maneira. Apesar da união monetária, o comportamento dos países europeus é muito díspar, de forma que cada um deles acaba adotando uma estratégia para o enfrentamento da crise. Apenas a existência da moeda unitária não é suficiente. O caminho passa por uma maior centralização na adoção de medidas comuns e no estabelecimento de um sistema de compensações das trocas comerciais entre os países.

Falsa evidência n° 10 – “A crise grega possibilitou finalmente avançar rumo a um governo econômico e a uma verdadeira solidariedade européia”. Não, a crise grega apenas serviu como alerta para a necessidade de medidas contra a ampliação da crise. No entanto, as ações propostas pela Comissão Européia não reforçaram as medidas de solidariedade na direção daquele País. Pelo contrário, as exigências impostas ao governo grego foram sempre no sentido de redução dos gastos públicos de caráter social e sem perspectivas de recuperação no médio e longo prazos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010