segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Manifesto do Teatro Periférico


Por um teatro que, além do espetáculo, provoque reflexão, incite as pessoas a saírem dos bastidores da vida para serem protagonistas da sua história. Por um teatro que não se acomode com aplausos e que incomode vaidades; que possa surgir de qualquer um e, sem distinção, chegar a todos. Por um teatro que alimente a fantasia das crianças, a rebeldia dos adolescentes e a coragem dos adultos. Por um teatro que não se renda a maneirismos e fórmulas importadas mas, sim, renda outras maneiras de ver e viver, questionando valores e padrões vigentes, formulando questões importantes para a lapidação humana. Por um teatro que sensibilize o indivíduo e aponte caminhos e soluções coletivas. Por um teatro que possibilite ao artista criar, produzir, mostrar, viver e atuar, transformando vidas e visões de vida. Um teatro que não produza nem valorize estrelas afetadas e produções elitizadas, mas artistas guerreiros e arte compartilhada.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


O mundo mudou e eles não perceberam

Adriana Guazzelli Charoux*


Eram 12h quando Tomaz Cavalieri (vídeo-repórter do Vitae Civilis) e eu saímos do Bella Center para ir ao local da grande marcha no centro de Copenhague. Logo quando desembarcamos do trem, já era possível ver pessoas vindo de todos os cantos rumo à concentração na frente do parlamento.

Depois de tantos dias confinada no local das negociações, poder ver a rua, de novo, foi um belo presente. Para completar, o sol deu as caras com força pela primeira vez desde que chegamos.

Quanto mais nos aproximávamos, mais pessoas: homens, mulheres, jovens, crianças, idosos, ciclistas, cadeirantes. Todos unidos em torno do grande desafio, um acordo para valer que garanta chão pra nós e para os que de nós virão.

Chegando perto do palco, relatos de raiva, de medo, de esperança de pessoas de muitos países que já sofrem os perversos efeitos das mudanças de clima. E mais pessoas chegavam e mais pessoas engrossavam cantos de paz, gritos de urgência reclamando do calor da terra, do excesso de carbono e do excesso de blá blá blá. Está na hora de agir aqui e agora.

Entre o número estimado pela polícia de 30 mil participantes e o número dos organizadores falando em 100 mil, o fato é que a sociedade civil se fez ouvir. A demanda por ações organizadas, recursos humanos e financeiros e um acordo justo, ambicioso e com força de lei tornou-se cada vez mais alta. E isso ficou bem claro naquela praça de Copenhague. Os negociadores já não podem nos ignorar. Aliás, estão atentos ao nosso grito, ao nosso pedido, a nossa urgência de mobilizar os “homens da decisão” de que não há planeta B, de que a atmosfera não tem esse tempo todo para esperar o consenso que tarda em sair.

Não existe Planeta B!

Não existe Planeta B!

Por mais que sintam a pressão, por mais que a ciência tenha provado por A mais B que não há mais tempo para seguirmos com esse nível obsceno de emissões, por mais que se faça pressão, por mais vítimas climáticas que surjam, parece que os negociadores seguem surdos na esfera política. Fico aqui me perguntando quantas marchas mais teremos que fazer, quão mais alto teremos de gritar, quantas velas mais teremos que acender? Arcebispo Desmond Tutu responde: “Não esqueçamos que foi uma marcha como essa que libertou Nelson Mandela”.

Dezenas de milhares de pessoas marchavam pacificamente acreditando que, pelo menos, a opinião pública representada pelos jornalistas já estava convencida da urgência de mudança de atitude. Mas, foi com pesar e revolta que abri os jornais de hoje e vi que o enfoque preferido pelos jornalistas foi o número de manifestantes presos. Existe uma revolução lá fora e estes que têm a importante missão de traduzir assuntos complexos como esse resumem a marcha a um punhado de gente que se excedeu na forma de protestar.

No final da marcha, acendemos velas para iniciar a vigília que, assim como em Copenhague, aconteceu em diversas cidades ao redor do mundo. Em meio a tanta agitação e correria que essas semanas de negociação exigem, fiquei em abraço silencioso com alguns novos amigos de diferentes países, reforçando o intento para que os negociadores façam o necessário e não somente o possível. Parar e silenciar naquele momento com aquelas pessoas tão especiais, me deu uma sacudida sincera, devolveu-me a disposição necessária para continuarmos a continuarmos, até que eles nos ouçam.

Por fim, se colocássemos duas cenas na mesma tela sendo uma mostrando a chegada da marcha ao Bella Center e a outra focada no blá blá blá do plenário, há uma só conclusão: o mundo mudou e eles ainda não perceberam.

*Adriana Guazzelli Charoux é pesquisadora do Idec e membro do Conselho Consultivo da Campanha TicTacTicTac
(Com a colaboração de Morrow Gaines Campbell III, especialista em clima do Vitae Civilis)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Bendito Seja !

“Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o suficiente para ele permanecer indiferente às desgraças ou alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu na sua vida. Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita, e inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação”.

(Plínio Marcos, Canções e reflexões de um palhaço)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CARTA DE MAPUTO - 5ª Conferência Internacional da Via Campesina

Maputo, Moçambique, 19-22 de Outubro, 2008

O mundo inteiro está em crise.
Uma crise multi-dimensional. De alimentos, de energia, de clima e de finanças. As soluções que o poder propõe – mais livre comércio, sementes transgênicas, etc – ignoram que a crise resulta do sistema capitalista e do neoliberalismo. Essas medidas somente aprofundarão seus impactos. Para encontrar soluções reais, temos que olhar para a Soberania Alimentar que propõe a Via Campesina.
Como chegamos na crise?
Nas últimas décadas, vimos o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo. Desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, o processamento dos alimentos, transporte, distribuição e venda ao consumidor, tudo já está em mãos de um número reduzido de empresas.
Os alimentos deixaram de ser um direito de todos e todas, e tornaram-se apenas mercadorias. Nossa alimentação está cada vez mais padronizada em todo mundo, com alimentos de má qualidade, preços que as pessoas não podem pagar. As tradições culinárias de nossos povos estão se perdendo.
Também vemos uma ofensiva do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A crise da margem de lucro do capital os lança numa guerra de privatização que os leva nos expulsar, camponeses, camponesas, comunidades indígenas, roubando nossa terra, territórios, florestas, biodiversidade, água e minérios. Um roubo privatizador.
Os povos rurais e o meio ambiente estão sendo agredidos. A produção de agrocombustíveis em grandes monocultivos industriais também é razão dessa expulsão, falsamente justificada com argumentos sobre crise energética e climática. A realidade atrás das últimas facetas da crise tem muito mais ver com a atual matriz de transporte de longa distância dos bens - e individualizado em automóveis - do que com qualquer outra razão.
Com a crise dos alimentos e com a crise financeira, a situação torna-se mais grave. A crise financeira e a crise dos alimentos estão vinculadas à especulação do capital financeiro com os alimentos e a terra, em detrimento das pessoas. Agora, o capital financeiro está desesperado, assaltando os cofres públicos para dominuir seus prejuízos. Os países serão obrigados a fazer ainda mais cortes orçamentários, condenado-os a maior pobreza e maior sofrimento.
A fome no mundo segue a passos largos. A exploração e todas as violências, em especial a violência contra a mulher, espalham-se pelo mundo. Com a recessão econômica nos países ricos, aumenta a xenofobia contra os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, com o racismo tomando grandes proporções e com o aumento da repressão. Os jovens têm cada vez menos oportunidades no campo. Isso é o que o modelo dominante oferece.
Ou seja, tudo vai de mal a pior. Contudo, no seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendemos a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos.
As instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise (além de serem parte dos motivos da crise), criando a possibilidade que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras a economia global surjam e que atendam outros interesses. Está claro que as empresas transnacionais são os verdadeiros inimigos e estão atrás das crises.
Está claro que os governos neoliberais não atendem aos interesses dos povos. Também está claro que a produção mundial de alimentos controlada pelas empresas transnacionais, não se faz capaz de alimentar o grande contingente de pessoas neste planeta, enquanto que a Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa local, faz-se mais necessária do que nunca.
O que defendemos na Via Campesina frente a esta realidade?
- A soberania alimentar: Renacionalizar e tirar o capital especulativo da produção dos alimentos é a única saída para a crise dos alimentos. Somente a agricultura camponesa alimenta os povos, enquanto o agronegócio produz para a exportação e sua produção de agrocombustíveis é para alimentar os automóveis, e não para alimentar gente. A Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa é a solução para a crise.
- Frente às crises energéticas e climáticas: a disseminação de um sistema alimentar local, que não se baseia na agricultura industrial nem no transporte a longa distância, eliminaria até 40% das emissões de gases de efeito estufa. A agricultura industrial aquece o planeta, enquanto a agricultura camponesa desaquece. Uma mudança no padrão do transporte humano para um transporte coletivo e outras mudanças no padrão de consumo, são os passos a mais, necessários para enfrentarmos a crise energética e climática.
-A Reforma Agrária genuína e integral, e a defesa do território indígena são essenciais para reverter o processo de expulsão do campo, e para disponibilizar a terra para a produção de alimentos, e não para produzir para a exportação e para combustíveis.
-A agricultura camponesa sustentável: somente a produção camponesa agroecológica pode desvincular o preço dos alimentos do preço do petróleo, recuperar os solos degradados pela agricultura industrial e produzir alimentos saudáveis e próximos para nossas comunidades.
-O avanço das mulheres é o avanço de todos: o fim de todos os tipos de violência para com as mulheres, seja ela, física, social ou outras. A conquista da verdadeira paridade de gênero em todos os espaços internos e instâncias de debates e tomada de decisões são compromissos imprescindíveis para avançar neste momento como movimentos de transformação da sociedade.
- O direito à semente e à água: a semente e a água são as verdadeiras fontes da vida, e são patrimônios dos povos. Não podemos permitir sua privatização, nem o plantio de sementes transgênicas ou de tecnologia terminator.
- Não à criminalização dos movimentos sociais. Sim à declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas na ONU, proposta pela Via Campesina. Será um instrumento estratégico no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas.
- A juventude do campo: É necessário abrir, cada vez mais, espaços em nossos movimentos para incorporara força e a criatividade da juventude camponesa, com sua luta para contruir seu futuro no campo.
- Finalmente, nós produzimos e defendemos os alimentos para todos e todas.
Todos e todas participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos coma defesa da agricultura camponesa, com a Soberania Alimentar, com a dignidade, com a vida. Nós colocamos à disposição do mundo as soluções reais para a crise global que estamos enfrentando hoje. Temos o direito de continuarmos camponeses e camponesas, e temos a responsabilidade de alimentar nossos povos.
Aqui estamos, nós os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.
Soberania Alimentar JÁ! Com a luta e a unidade dos povos!Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!
Manifesto da América Latina aos europeus

"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento, com juros, de uma divida contraída por um Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse.
Outro irmão europeu, um rábula, me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento.Eu também posso reclamar pagamento, também posso reclamar juros. Consta no Arquivo das Índias.
Papel sobre papel, recibo sobre recibo, assinatura sobre assinatura que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América Terá sido isso um saque? Não acredito porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao Sétimo Mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas que qualificam o encontro de "destruição da Índias" ou Arturo Uslar Pietri, que afirma que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos retirados das Américas!
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de outros empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
Eu, Guaicaipuro Cuatémoc, prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "Marshal-tezuma", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, do banho diário e outras conquistas da civilização.Por isso, ao celebrarmos o Quinto Centenário desse Empréstimo, poderemos nos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional, responsável ou pelo menos produtivo desses recursos tão generosamente adiantados pelo Fundo Indo-americano Internacional? É com pesar que dizemos não.
No aspecto estratégico, o dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em armadas invencíveis, em terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, sem um outro destino, a não ser terminar ocupados pelas tropas gringas da OTAN, como um Panamá, mas sem o canal.No aspecto financeiro foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros, quanto se tornarem independentes das rendas liquidas, das matérias primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.
Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar. E nos obriga a reclamar-lhes, para o seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente temos demorado todos estes séculos para cobrar.
Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros que os irmãos europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos emprestados, acrescidos de um módico juro fixo de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos.Sobre esta base, e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 180 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300. Isso quer dizer um número para cuja expressão total seriam precisos mais de 300 cifras, e que supera amplamente o peso total do planeta Terra.
Muito peso em ouro e prata! Quanto pesariam, calculados em sangue? Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para pagar esses módicos juros seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e/ou a demêncial irracionalidade dos pressupostos do capitalismo. Tais questões metafísicas, desde já, não nos inquietam aos índo-americanos.Porém exigimos a assinatura de uma carta de intenções que discipline aos povos devedores do Velho Continentes e que os obrigue a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permita nos entregá-la inteira como primeira prestação da dívida histórica."

Embaixador do México na ONU