quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


O mundo mudou e eles não perceberam

Adriana Guazzelli Charoux*


Eram 12h quando Tomaz Cavalieri (vídeo-repórter do Vitae Civilis) e eu saímos do Bella Center para ir ao local da grande marcha no centro de Copenhague. Logo quando desembarcamos do trem, já era possível ver pessoas vindo de todos os cantos rumo à concentração na frente do parlamento.

Depois de tantos dias confinada no local das negociações, poder ver a rua, de novo, foi um belo presente. Para completar, o sol deu as caras com força pela primeira vez desde que chegamos.

Quanto mais nos aproximávamos, mais pessoas: homens, mulheres, jovens, crianças, idosos, ciclistas, cadeirantes. Todos unidos em torno do grande desafio, um acordo para valer que garanta chão pra nós e para os que de nós virão.

Chegando perto do palco, relatos de raiva, de medo, de esperança de pessoas de muitos países que já sofrem os perversos efeitos das mudanças de clima. E mais pessoas chegavam e mais pessoas engrossavam cantos de paz, gritos de urgência reclamando do calor da terra, do excesso de carbono e do excesso de blá blá blá. Está na hora de agir aqui e agora.

Entre o número estimado pela polícia de 30 mil participantes e o número dos organizadores falando em 100 mil, o fato é que a sociedade civil se fez ouvir. A demanda por ações organizadas, recursos humanos e financeiros e um acordo justo, ambicioso e com força de lei tornou-se cada vez mais alta. E isso ficou bem claro naquela praça de Copenhague. Os negociadores já não podem nos ignorar. Aliás, estão atentos ao nosso grito, ao nosso pedido, a nossa urgência de mobilizar os “homens da decisão” de que não há planeta B, de que a atmosfera não tem esse tempo todo para esperar o consenso que tarda em sair.

Não existe Planeta B!

Não existe Planeta B!

Por mais que sintam a pressão, por mais que a ciência tenha provado por A mais B que não há mais tempo para seguirmos com esse nível obsceno de emissões, por mais que se faça pressão, por mais vítimas climáticas que surjam, parece que os negociadores seguem surdos na esfera política. Fico aqui me perguntando quantas marchas mais teremos que fazer, quão mais alto teremos de gritar, quantas velas mais teremos que acender? Arcebispo Desmond Tutu responde: “Não esqueçamos que foi uma marcha como essa que libertou Nelson Mandela”.

Dezenas de milhares de pessoas marchavam pacificamente acreditando que, pelo menos, a opinião pública representada pelos jornalistas já estava convencida da urgência de mudança de atitude. Mas, foi com pesar e revolta que abri os jornais de hoje e vi que o enfoque preferido pelos jornalistas foi o número de manifestantes presos. Existe uma revolução lá fora e estes que têm a importante missão de traduzir assuntos complexos como esse resumem a marcha a um punhado de gente que se excedeu na forma de protestar.

No final da marcha, acendemos velas para iniciar a vigília que, assim como em Copenhague, aconteceu em diversas cidades ao redor do mundo. Em meio a tanta agitação e correria que essas semanas de negociação exigem, fiquei em abraço silencioso com alguns novos amigos de diferentes países, reforçando o intento para que os negociadores façam o necessário e não somente o possível. Parar e silenciar naquele momento com aquelas pessoas tão especiais, me deu uma sacudida sincera, devolveu-me a disposição necessária para continuarmos a continuarmos, até que eles nos ouçam.

Por fim, se colocássemos duas cenas na mesma tela sendo uma mostrando a chegada da marcha ao Bella Center e a outra focada no blá blá blá do plenário, há uma só conclusão: o mundo mudou e eles ainda não perceberam.

*Adriana Guazzelli Charoux é pesquisadora do Idec e membro do Conselho Consultivo da Campanha TicTacTicTac
(Com a colaboração de Morrow Gaines Campbell III, especialista em clima do Vitae Civilis)

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