quarta-feira, 28 de abril de 2010

Conferência Mundial dos Povos sobre o Câmbio Climático e os Direitos da Mãe Terra de Acordo com os Povos




Hoje, nossa Mãe Terra está ferida e o futuro da humanidade está em perigo.

Ao se tornar realidade o aquecimento global em mais de 2%, ao que nos conduziria o chamado “Entendimento de Copenhague”, existe 50% de possibilidade de que os danos causados à nossa Mãe Terra sejam totalmente irreversíveis. Entre 20 e 30% das espécies estariam em perigo de desaparecer. Grandes extensões de florestas seriam afetadas, as secas e inundações atingiriam diferentes regiões do planeta, aumentariam os desertos e se agravaria o derretimento dos pólos. Os glaciares dos Andes e do Himalaia seriam afetados. Muitos Estados insulares desapareceriam e a África sofreria um aumento de temperatura de mais de 3°C. A produção de alimentos no mundo seria reduzida, com efeitos catastróficos para a sobrevivência dos habitantes de vastas regiões do planeta. Aumentaria de forma dramática o número de famintos no mundo, que já passam de um bilhão e vinte milhões de pessoas.

As corporações e os governos dos países chamados “mais desenvolvidos”, em cumplicidade com um segmento da comunidade científica, nos fazem discutir o câmbio climático como se fosse um problema reduzido à elevação da temperatura, sem questionar suas causas, originadas no sistema capitalista.

Enfrentamos a crise terminal do modelo civilizatório patriarcal, baseado na sujeição e destruição de seres humanos e da natureza que se acelerou com a revolução industrial.

O sistema capitalista nos tem imposto uma lógica de competição, progresso e crescimento ilimitado. Este regime de produção e consumo busca o lucro sem limites, separando o ser humano da natureza, estabelecendo sobre ela uma lógica de dominação, convertendo tudo em mercadoria, a água, a terra, o genoma humano, as culturas ancestrais, a biodiversidade, a justiça, a ética, os direitos dos povos, a morte e a própria vida.

Sob o capitalismo, a Mãe Terra foi convertida em mera fonte de matérias primas e os seres humanos, em meios de produção e consumidores, em pessoas que valem pelo que têm e não pelo que são.

O capitalismo requer uma potente indústria militar para seu processo de acumulação e o controle de territórios e recursos naturais, reprimindo a resistência dos povos. Trata-se de um sistema imperialista de colonização do planeta.

A humanidade está diante de uma encruzilhada. Continuar pelo caminho do capitalismo, da depredação e da morte, ou empreender o caminho da harmonia com a natureza e do respeito à vida.

Requeremos forjar um novo sistema que restabeleça a harmonia com a natureza e entre os seres humanos. Só pode haver equilíbrio com a natureza se houver eqüidade entre os seres humanos.

Recomendamos aos povos do mundo a recuperação, revalorização e fortalecimento dos conhecimentos, sabedorias e práticas ancestrais dos Povos Indígenal, afirmados na vivência e proporta de “viver bem”, reconhecendo a Mãe Terra como um ser vivo, com o qual temos uma relação indivisível, interdependente, complementar e espiritual.

Para enfrentar o câmbio climático, devemos reconhecer a Mãe Terra como a fonte da vida e construir um novo sistema, baseado nos seguintes princípios:

- harmonia e equilíbrio entre todos e com tudo;

- complementaridade, solidariedade e eqüidade;

- bem-estar coletivo e satisfação das necessidades fundamentais de todos, em harmonia com a Mãe Terra;

- respeito aos direitos da Mãe Terra e aos direitos humanos;

- reconhecimento do ser humano pelo que é, não pelo que tem;

- eliminação de toda forma de colonialismo, imperialismo e intervencionismo;

- paz entre os povos e com a Mãe Terra.

O modelo que propomos não é de desenvolvimento destrutivo, nem ilimitado. Os países precisam produzir bens e serviços para satisfazer as necessidades fundamentais de suas populações, mas de nenhuma forma podem continuar neste caminho de desenvolvimento, no qual os países mais ricos têm uma pegada ecológica cinco vezes maior do que o planeta é capaz de suportar. Na atualidade já se excedeu em mais de 30% a capacidade do planeta para se regenerar. Neste ritmo de superexploração de nossa Mãe Terra, seriam necessários dois planetas, para 2030.

Num sistema interdependente, no qual os seres humanos somos um dos seus componentes, não é possível reconhecer direitos apenas à parte humana sem provocar um desequilíbrio em todo o sistema. Para garantir os direitos humanos e restabelecer a harmonia com a natureza, é necessário reconhecer e aplicar efetivamente os direitos da Mãe Terra.

Para isso, propomos o projeto adjunto de Declaração Universal de Direitos da Mãe Terra, no qual são consignados:

- Direito à vida e a existir;

- Direito a ser respeitada;

- Direito à continuação dos seus ciclos e processos vitais, livre de alterações humanas;

- Direito a manter sua identidade e integridade como seres diferenciados, auto-regulados e interrelacionados;

- Direito à água como fonte de vida;

- Direito ao ar limpo;

- Direito à saúde integral;

- Direito a estar livre de contaminação e poluição, de resíduos tóxicos e radioativos;

- Direito a não ser alterada geneticamente e modificada em sua estrutura, ameaçando sua integridade ou funcionamento vital e saudável;

- Direito a uma restauração plena e imediata pelas violações aos direitos reconhecidos nesta Declaração, causadas pelas atividades humanas.

A visão compartilhada é estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa para fazer efetivo o Artigo 2 da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Câmbio Climático, que determina “a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça interferências antropogênicas perigosas para o sistema climático”. Nossa visão é, sobre a base do princípio das responsabilidades históricas comuns, mas diferenciadas, exigir que os países desenvolvidos se comprometam com metas quantificadas de redução de emissões que permitam reverter as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera a 300 ppm e, assim, limitar o incremento da temperatura média global a um nível máximo de 1ºC.

Enfatizando a necessidade de ação urgente para realizar esta visão, e com o apoio dos povos, movimentos e países, os países desenvolvidos deverão se comprometer com metas ambiciosas de redução de emissões que permitam alcançar objetivos a curto prazo, mantendo nossa visão a favor do equilíbrio do sistema climático da Terra, de acordo com o objetivo último da Convenção.

A “visão compartilhada” para a “Ação Cooperativa a Longo Prazo” não deve se reduzir na negociação do câmbio climático a definir o limite no aumento da temperatura e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, mas compreender, de maneira integral e equilibrada, um conjunto de medidas financeiras, tecnológicas, de adaptação, de desenvolvimento de capacidades, de padrões de produção, consumo e outras, essenciais como o reconhecimento dos direitos da Mãe Terra, para restabelecer a harmonia com a natureza.

Os países desenvolvidos, principais causadores da mudança climática, assumindo sua responsabilidade histórica e atual, devem reconhecer e honrar sua dívida climática, em todas suas dimensões, como base para uma solução justa, efetiva e científica do problema do câmbio climático. Neste marco, exigimos aos países desenvolvidos que:

- Restabeleçam aos países em desenvolvimento o espaço atmosférico, que está ocupado por suas emissões de gases de efeito estufa. Isto implica a descolonização da atmosfera, mediante a redução e reabsorção das suas emissões.

- Assumam os custos e as necessidades de transferência de tecnologia dos países em desenvolvimento, pela perda de oportunidades de desenvolvimento, por viver num espaço atmosférico restrito.

- Tornem-se responsáveis pelas centenas de milhões de pessoas obrigadas a migrar pelas mudanças climáticas que provocaram, eliminem suas políticas restritivas de imigração e ofereçam aos imigrantes uma vida digna e com todos os direitos de seus países.

- Assumam a dívida de adaptação relacionadas aos impactos climáticos nos países em desenvolvimento, provendo os meios para prevenir, minimizar e atender aos danos que surgem das suas excessivas emissões.

- Honrem estas dívidas como parte de uma dívida maior com a Mãe Terra, adotando e aplicando a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra nas Nações Unidas.

O enfoque deve ser não somente de compensação econômica, mas, principalmente, de justiça restaurativa, ou seja, restituindo a integridade às pessoas e aos membros que formam uma comunidade de vida na Terra.

Deploramos a tentativa, por um grupo de países, de anular o Protocolo de Kioto, o único instrumento legalmente vinculante específico para a redução das emissões de gases de efeito estufa dos países desenvolvidos.

Advertimos o mundo que, não obstante a obrigação legal de redução das emissões dos países desenvolvidos, estas emissões cresceram, entre 1990 e 2007, em 11,2%.

Por causa do consumo ilimitado, os Estados Unidos aumentaram suas emissões de GEE em 16,8% durante o período de 1990 a 2007, emitindo em média entre 20 e 23 toneladas anuais de CO2 por habitante, o que representa mais de 9 vezes as emissões correspondentes à média de um habitante do terceiro mundo, e mais de 20 vezes as emissões de um habitante da África Sub-Saariana.

Rechaçamos, de maneira absoluta, o ilegítimo “Entendimento de Copenhague”, que permite a estes países desenvolvidos ofertar reduções insuficientes de gases de efeito estufa, baseado em compromissos voluntários e individuais que violam a integridade ambiental da Mãe Terra, conduzindo-nos a um aumento por volta de 4ºC.

A próxima Conferência Sobre Câmbio Climático a se realizar no final do ano, no México, deve aprovar a emenda ao Protocolo de Kioto, para o segundo período de compromissos a se iniciarem de 2013 a 2017, na qual os países desenvolvidos devem se comprometer com reduções domésticas significativas de, pelo menos, 50% em relação ao ano base de 1990, sem incluir mercados de carbono ou outro sistema de desvio que mascare o descumprimento das reduções reais de GEE.

Requeremos estabelecer, primeiro, uma meta para o conjunto dos países desenvolvidos, para depois realizar a assinatura individual para cada país desenvolvido, no marco de uma comparação de esforços entre cada um deles, mantendo, assim, o sistema do Protocolo de Kioto para as reduções das emissões.

Os Estados Unidos da América, em sua posição de único país da Terra, do Anexo 1, que não ratificou o Protocolo de Kioto, tem uma responsabilidade significativa perante todos os povos do mundo, pelo que deve ratificar o Protocolo e comprometer-se a respeitar e dar cumprimento aos objetivos de redução de emissões, na escala de toda sua economia.

Os povos temos os mesmos direitos de proteção diante dos impactos do câmbio climático e rechaçamos a noção de adaptação à mudança entendida como a resignação aos impactos provocados pelas emissões históricas dos países desenvolvidos, que devem adaptar seus estilos de vida e de consumo, diante desta emergência planetária. Somos forçados a enfrentar os impactos do câmbio climático, considerando a adaptação como um processo, não como uma imposição, além de uma ferramenta para contestá-los, demonstrando que é possível viver em harmonia, com um modo de vida diferente.

Se faz necessário construir um Fundo de Adaptação, exclusivo para enfrentar o câmbio climático, como parte de um mecanismo financeiro manejado e conduzido de maneira soberana, transparente e eqüitativa por nossos Estados. Este Fundo deve priorizar os impactos e seus custos nos países em desenvolvimento, as necessidades geradas por estes impactos e registrar e monitorar o apoio dos países desenvolvidos. Deve se criar um mecanismo para ressarcimento dos danos passados e futuros, pela perda de oportunidades, e reposição, por eventos climáticos extremos e graduais, além de custos adicionais eventualmente necessários, se nosso planeta ultrapassa os limites ecológicos, assim como os impactos que estão impedindo o direito de viver bem.

O “Entendimento de Copenhague”, imposto por alguns Estados aos países em desenvolvimento, além de oferecer recursos insuficientes, pretende dividir e enfrentar os povos e extorquir seus países, condicionando o acesso aos recursos de adaptação a medidas de moderação. Também estabelece como inaceitável que, nos processos de negociação internacional, se categorize os países em desenvolvimento pela sua vulnerabilidade ao câmbio climático, gerando disputas, desigualdades e segregação entre eles.

O imenso desafio que enfrentamos, como humanidade, para deter o aquecimento global e esfriar o planeta, só será possível com uma profunda transformação na agricultura para um modelo sustentável de produção agrícola camponesa e indígena/originária e outros modos e práticas ancestrais ecológicas que contribuam para solucionar o problema da mudança climática e assegurem a Soberania Alimentar, entendida como o direito dos povos de controlar suas próprias sementes, terras, água e a produção de alimentos, garantindo (através da produção local e culturalmente apropriada, em harmonia com a Mãe Terra) o acesso dos povos a alimentos suficientes, variados e nutritivos em complementação com a Mãe Terra e aprofundando a produção autônoma – participativa, comunitária e compartilhada – de cada nação e cada povo.

O Câmbio Climático já está produzindo profundos impactos sobre a agricultura e os modos de vida dos povos originários e camponeses do mundo e estes impactos se irão agravando, no futuro.

O agro-negócio (através do seu modelo social, econômico e cultural de produção capitalista globalizada) e sua lógica de produção de alimentos para o mercado e não para cumprir com o direito à alimentação, é uma das causas principais do câmbio climático. Suas ferramentas tecnológicas, comerciais e políticas aprofundam a crise climática e aumenta a fome no planeta. Por isso, rechaçamos os Tratados de Livre Comércio, Acordos de Associação e toda forma de aplicação dos Direitos de Propriedade Intelectual sobre a vida, os pacotes tecnológicos atuais (agro-químicos, transgênicos) e aqueles que se oferece como falsas soluções (agrocombustíveis, geo-engenharia, nanotecnologia, tecnologia Terminator e similares) que apenas agudizarão a crise atual.

Ao mesmo tempo, denunciamos que este modelo capitalista impõe mega-projetos de infraestrutura, invade territórios com projetos extrativistas, privatiza e mercantiliza a água e militariza os territórios, expulsando os povos originários e camponeses, impedindo a Soberania Alimentar e aprofundando a crise sócio-ambiental.

Exigimos o reconhecimento dos direitos de todos os povos, dos seres vivos e da Mãe Terra ao acesso e uso da água e apoiamos a proposta do governo da Bolívia para reconhecer a água como um Direito Humano Fundamental.

A definição de floresta utilizada nas negociações da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Câmbio Climático, que inclui plantações, é inaceitável. Os monocultivos não são bosques. Portanto, exigimos uma definição, para fins de negociação, que reconheça as florestas nativas, a selva e a diversidade dos ecossistemas da terra.

A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas deve ser plenamente reconhecida, implementada e integrada nas negociações do Câmbio Climático. A melhor estratégia e ação para evitar o desflorestamento e a degradação – e proteger as florestas nativas e a selva – é reconhecer e garantir os direitos coletivos das terras e territórios, considerando, especialmente, a localização da maioria dos bosques e selvas em territórios de povos e nações indígenas, comunidades camponesas e tradicionais.

Reprovamos os mecanismos de mercado – como a REDD, Redução de Emissões pelo Desmatamento e Degradação, e suas versões + e ++ - que estão violando a soberania dos povos e seu direito ao consentimento livre, prévio e informado, a soberania de Estados Nacionais, e viola, também, os direitos, usos e costumes dos povos e os direitos da natureza.

Os países contaminadores estão obrigados a transferir, de maneira direta, os recursos econômicos e tecnológicos para pagar a restauração e a manutenção dos bosques e selvas, em favor dos povos e estruturas orgânicas ancestrais indígenas, originárias e camponesas. Esta deverá ser uma compensação direta, adicional às fontes de financiamento assumidas em compromisso pelos países desenvolvidos, fora do mercado de carbono e nunca servindo como compensação de carbono. Instamos os países a interromperem as iniciativas baseadas em mecanismos de mercado para matas e selvas, que propõem resultados inexistentes e condicionados. Exigimos dos governos um programa mundial de restauração de matas nativas e selvas, dirigido e administrado pelos povos, implementando sementes florestais, de frutos e de flora autóctone. Os governos devem eliminar as concessões florestais e apoiar a conservação do petróleo sob a terra, detendo urgentemente a exploração de hidrocarbonetos nas selvas.

Exigimos dos Estados que reconheçam, respeitem e garantam a efetiva aplicação dos padrões internacionais de direitos humanos e os direitos dos povos indígenas, em particular a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, no Convênio 169 da OIT, entre outros instrumentos pertinentes, no marco das negociações, políticas e medidas para resolver os desafios impostos pelo câmbio climático. Em especial, demandamos dos Estados que reconheçam juridicamente a pré-existência do direito sobre nossos territórios, terras e recursos naturais, para possibilitar e fortalecer nossas formas tradicionais de vida e contribuir efetivamente para a solução do câmbio climático.

Demandamos a plena e efetiva aplicação do direito à consulta, à participação e ao consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas, em todos os processos de negociação, assim como no planejamento e implementação das medidas relativas ao câmbio climático.

Atualmente, a degradação do meio ambiente e o câmbio climático alcançaram níveis críticos, sendo uma das principais conseqüências a migração interna, assim como internacional. Conforme algumas projeções, em 1995 existiam ao redor de 25 milhões de migrantes climáticos. No presente, estima-se em 50 milhões, e as projeções para 2050 são de 200 milhões a 1 bilhão de pessoas que serão deslocadas por conseqüência das mudanças climáticas.

Os países desenvolvidos devem assumir a responsabilidade sobre os migrantes climáticos, acolhendo-os em seus territórios e reconhecendo seus direitos fundamentais, através de convênios internacionais que contemplem a definição de migrante climático, para que todos os Estados acatem suas determinações.

Constituir um Tribunal Internacional de Consciência para denunciar, fazer visível, documentar, julgar e sancionar as violações dos direitos dos migrantes, refugiados e deslocados nos países de origem, trânsito e destino, identificando claramente as responsabilidades dos Estados, empresas e outros agentes.

O financiamento atual destinado aos países em desenvolvimento, para o câmbio climático, e a proposta do Entendimento de Copenhague, são ínfimos. Os países desenvolvidos devem comprometer um financiamento anual novo, adicional à Ajuda Oficial ao Desenvolvimento e de fonte pública, de pelo menos 6% do seu PIB, para enfrentar o câmbio climático nos países em desenvolvimento. Isto é viável, levando em conta que gastam um montante similar em defesa nacional e destinaram 5 vezes mais para resgatar bancos e especuladores em quebra, o que questiona seriamente suas prioridades mundiais e sua vontade política. Este financiamento deve ser direto, sem condicionamento e não fragilizar a soberania nacional, nem a autodeterminação das comunidades e grupos mais afetados.

Diante da ineficiência do mecanismo atual, na Conferência do México deve-se estabelecer um novo mecanismo de financiamento, que funcione sob a autoridade da Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre o Câmbio Climático, prestando contas à mesma, com uma representação significativa dos países em desenvolvimento, para garantir o cumprimento dos compromissos de financiamento dos países do Anexo 1.

Constatou-se que os países desenvolvidos aumentaram suas emissões no período de 1990 a 2007, apesar da manifestação de que a redução seria substancialmente coadjuvada por mecanismos de mercado.

O mercado de carbono transformou-se em um negócio lucrativo, mercantilizando nossa Mãe Terra. Isto não representa uma alternativa para enfrentar o câmbio climático, posto que saqueia, devasta a terra, a água e a própria vida.

A recente crise financeira demonstrou a incapacidade do mercado de regular o sistema financeiro, que é frágil e inseguro diante da especulação e a aparição de agentes intermediários. Portanto, seria uma total irresponsabilidade deixar em suas mãos o cuidado e a proteção da própria existência humana e de nossa Mãe Terra.

Consideramos inadmissível a pretensão, nas negociações em curso, de criar novos mecanismos que ampliem e promovam o mercado de carbono, uma vez que os mecanismos existentes nunca resolveram o problema do câmbio climático, nem se transformaram em ações reais e diretas na redução de gases de efeito estufa.

É imprescindível exigir o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos, na Convenção Marco das Nações Unidas sobre Câmbio Climático, a respeito do desenvolvimento e transferência de tecnologia, assim como rechaçar a “vitrine tecnológica” proposta por países desenvolvidos, que apenas comercializam a tecnologia. É fundamental estabelecer as linhas de criação de um mecanismo multilateral e multidisciplinar para o controle participativo, a gestão e a avaliação contínua do intercâmbio de tecnologias. Estas tecnologias devem ser úteis, limpas e socialmente adequadas. Da mesma forma é fundamental o estabelecimento de um fundo de financiamento para pesquisas de tecnologias apropriadas e livres de direitos de propriedade intelectual e, em particular, de patentes, que devem passar de monopólios privados, para domínio público, de livre acesso e baixo custo.

O conhecimento é universal e, por nenhum motivo, pode ser objeto de propriedade privada e de uso privativo, como tampouco suas aplicações em forma de tecnologias. É dever dos países desenvolvidos compartilhar sua tecnologia com paísses em desenvolvimento, criar centros de pesquisas para criação de tecnologias e inovações próprias, assim como defender e incentivar seu desenvolvimento e aplicação para o viver bem. O mundo deve recuperar, aprender, reaprender os princípios e enfoques do legado ancestral dos seus povos originários, para deter a destruição do planeta, assim como os conhecimentos e práticas ancestrais. E recuperar a espiritualidade, na reinserção do viver bem juntamente com a Mãe Terra.

Considerando a falta de vontade política dos países desenvolvidos para cumprir, de maneira efetiva, seus compromissos e obrigações assumidos na Convenção Marco das Nações Unidas, e diante da inexistência de uma instância legal internacional que preveja e sancione todos os delitos e crimes climáticos e ambientais que atentem contra os direitos da Mãe Terra e da humanidade, demandamos a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental, que tenha a capacidade jurídica vinculante de prevenir, julgar e sancionar os Estados, as empresas e pessoas que, por ação ou omissão, contaminem e provoquem o câmbio climático.

Respaldar os Estados que apresentem demandas na Corte Internacional de Justiça contra os países desenvolvidos que não cumprem os seus compromissos com a Convenção Marco das Nações Unidas sobre o Câmbio Climático e o Protocolo de Kioto, incluindo seus compromissos de redução de gases de efeito estufa.

Instamos os povos a propor e promover uma profunda reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), para que todos seus Estados membros cumpram as decisões do Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental.

O futuro da humanidade está em perigo e não podemos aceitar que um grupo de governantes de países desenvolvidos queiram decidir por todos os países, como tentaram fazer, sem conseguir, na Conferência das Partes de Copenhague. Esta decisão nos compete a todos os povos. Por isso, é necessária a realização de um Referendum Mundial, plebiscito ou consulta popular, sobre o câmbio climático, no qual todos sejamos consultados sobre o nível de reduções de emissões que devem ser feitas pelos países desenvolvidos e empresas transnacionais; os financiamentos que devem ser providos por esses países; a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática; a necessidade de uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra; e a necessidade de mudar o atual sistema capitalista.

O processo do referendo mundial, plebiscito ou consulta popular, será fruto de um processo de preparação que assegure o desenvolvimento frutífero do mesmo.

Com a finalidade de coordenar nossas ações internacionais e implementar os resultados do presente “Acordo dos Povos”, chamamos a construir um Movimento Mundial dos Povos pela Mãe Terra, que se baseará nos princípios da complementaridade e respeito à diversidade de origem e visões de seus integrantes, constituindo-se em um espaço amplo e democrático de coordenação e articulação de ações a nível mundial.

Com tal propósito, adotamos o plano de ação mundial adjunto, para que, no México, os países desenvolvidos do Anexo 1 respeitem o marco legal vigente e reduzam suas emissões de GEE em 50% e assumam as diferentes propostas contidas neste Acordo.

Finalmente, ficou decidido realizar a 2ª Conferência Mundial dos Povos sobre o Câmbio Climático e os Direitos da Mãe Terra em 2011, como parte deste processo de construção do Movimento Mundial dos Povos pela Mãe Terra e para reagir diante dos resultados da Conferência de Câmbio Climático que será realizada no final do ano, em Cancun, México.





22 de Abril de 2010, Cochabamba, Bolivia

2 comentários:

  1. É, esse texto é realmente longo. O problema é que quem teria que fazer algo não vai querer abrir mão de ganhar quando ainda pode explorar. Mesmo que nosso planeta esteja definhando há quem ignore e pense que vale a pena.
    Talvez eu seja nova demais pra estar tão desacreditada, mas eu sinto que nenhuma reunião, nenhum tipo de conferência vai ser de fato útil.

    ResponderExcluir
  2. Pior seria não tentar. Pior é não lutar. Pior é viver a vida sem sentido algum além dos que nos impõem - consumir, desfrutar, juntar patrimônio, viver competindo, vendo adversários em todo lado, como nos ensinam. Pior é se acomodar com esse estado de coisas, da vida e da sociedade. Se não posso mudar o mundo, vou morrer tentando, pois é minha forma de dar valor à vida. Minha vida não se enquadra nos parâmetros convencionais.

    ResponderExcluir